domingo, 23 de novembro de 2008

Sexto encontro (15-11-2008)

Caros visitantes,

A programação do encontro de hoje não foi ambiciosa em termos quantitativos, tendo sido nosso objetivo consolidar algumas conquistas que logramos ao longo do módulo deste Escrevivendo.
Primeiramente, quisemos ouvir dos escreviventes seus comentários a respeito do debate que lhes proporcionamos com os poetas Glauco Mattoso e Donny Correia e com o filósofo Valter José (veja "Quinto encontro"). Glauco, ao mesmo tempo que aclamado por muitos escreviventes (a maioria), sofreu a crítica de ser simplesmente um poeta que escrevia para se livrar de traumas. Contra isso, lembramos o interlocutor de que se tratava, na verdade, de se escrever a partir dos traumas, exortado por eles: por ser cego e homossexual, principalmente. O objetivo principal de Glauco Mattoso - e de toda poesia satírica - é vingar-se da sociedade. E por que criticar a escatologia presente em sua poesia se "a sociedade é suja" (comentário de uma escrevivente)? Outro escrevivente atenta-nos ao fato de que o poeta constrói uma persona satírica, com a qual não necessariamente se identifica por completo. Diz ele: "Duvido que o Glauco faz tudo aquilo que ele relata em sua poesia". Provocação!
Quanto a Donny, foi unânime a opinião de que ele foi prejudicado, uma vez que houve pouco tempo para que falasse de si e de sua poesia, a qual, segundo Bruna, nossa escrevivente, é tão afetiva, tão sensível e, ao mesmo tempo, precisa.
O principal comentário a respeito de Valter José foi de que eles, escreviventes, antes de conhecê-lo, não imaginavam que seria possível unir tamanha erudição ao gosto pelo pornô. Criticou-se o fato de o cinema ter sido muito mais inquirido que a poesia de Glauco Mattoso e de Donny Correia.
Em relação à atividade do debate, ficamos muito satisfeitas com os comentários. Uma escrevivente disse que foi uma "oportunidade espetacular, pois nunca me imaginei conversando com um cineasta de filme pornô", enquanto outro disse que "a discussão foi de grande profundidade."
A segunda metade da aula foi reservada inteiramente ao que chamamos de troca em duplas. Durante 1h30, os escritores tiveram a oportunidade de reler o texto uns dos outros e comentá-lo com mais acuidade, criticando com minúcia cada pormenor da linguagem. Trata-se de um dos momentos mais importantes do Escrevivendo, pois dá continuidade à reflexão sobre o processo de escrita e sobre a atividade de metalinguagem, numa oportunidade de pensar sobre os diferentes efeitos expressivos de diferentes construções, repensar escolhas lingüísticas e descobrir alguns meandros do processo criativo, desautomatizando o que é "inconsciente" na escrita.
Infelizmente, nesse momento notamos certa resistência por parte de alguns escreviventes, e achamos importante esclarecer o objetivo, o porquê da troca em duplas, além do que já expusemos acima. O fato é que o Projeto Escrevivendo, assim como o método de ensino de escrita de Lucy McCornick Calkins (1989), o qual procuramos seguir, vê na interação com o outro uma das principais funções da escrita e do discurso em geral. Se, por um lado, a interação se dá de forma magnífica na leitura oral compartilhada dos textos, nós, participantes de uma oficina de escrita, não poderíamos deixar de estabelecer tal interação também com o texto escrito, o que se materializa através do "comentário":
A participação do outro, ultrapassando a revisão que seria a de um corretor ortográfico ou gramatical (...) traz para a pauta de discussões o funcionamento real do discurso, a construção dos significados, as inferências, a interlocução possível com um destinatário distante (GARCEZ: 1988).
Não faria sentido para nós somente a revisão gramatical por parte do professor, que seria o único interlocutor do texto e seu único leitor. Dessa forma, o processo de escrita ficaria muito fechado, o que vai totalmente contra nossa concepção pragmática de que a língua e os textos são uma forma de intervir no mundo, socialmente, portanto. Ainda que os textos sejam ótimos e já muito bem escritos, como no caso desta nossa turma, sempre há o que melhorar, e a busca pela precisão, pela máxima expressão nunca se completa. Esse é um fato nada desalentador, pelo contrário; deve-se encará-lo como uma provocação, uma exortação ao trabalho com a linguagem!
O Projeto Escrevivendo, assim como o método de Calkins, prevê a leitura cuidada do professor, a qual os alunos esperam e exigem, mas desde que não seja a única leitura.
Durante a troca em duplas, Mafuane e eu fomos a cada uma, tentando aconselhar, ver e ouvir o que estava sendo feito, acompanhar a atividade de perto. Adoramos esse momento de labuta e de esquecimento de si por parte dos autores. O tempo voa e o resultado é magnífico, como pudemos constatar nos textos que vimos recebendo, os quais serão postados logo mais.
Loreta
BIBLIOGRAFIA
CALKINS, Lucy McCornick. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
GARCEZ, Lucília H. Anotações para o futuro. In: A escrita e o outro - os modos de participação na construçao de um texto. Brasília: UnB, 1988. p.158.

Um comentário:

Blog da Bruna disse...

impossível deixar de comentar: é bem verdade que o assunto mais discutido foi o cinema-pornô, cujo convidado mostrou inesperada erudição em filosofia, literatura,em uma visão especialmente aguda das obras de Fellini (que confessou mais do que uma vez em entrevistas, que ele não pensava nem agia nem dirigia, aplicando nenhum tipo de analise mais profunda, mas somente seguindo seu instinto criativo no momento. Apesar disto a midia o tratava como um genio e ele se ressentia disto. Voltando aquela reunião muito "fecunda" para todos, gostaria mais uma vez de aplaudir o lirismo e a beleza dos poemas eroticos de Donny. Assim que puder vou comprar o livro...Bruna