terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quinto encontro (08-11-2008)

Caros visitantes,

O encontro que relataremos agora foi muito importante para a oficina do Escrevivendo Memórias Eróticas.

Esse foi um dia reservado ao recebimento de convidados ligados ao mundo da poesia, uma vez que o Escrevivendo é o único curso da Casa das Rosas - um espaço de poesia - que trata da prosa. Segundo o tema deste módulo, convidamos os poetas Glauco Mattoso e Donny Correia e o filósofo e cineasta Valter José para um debate em torno da questão sobre os limites entre erotismo e pornografia.




















A palavra foi cedida primeiramente a Glauco Mattoso (1), que teria somente uma hora para ficar conosco. Após rápida apresentação de si - uma vez que muitos ainda não haviam tido contato com sua obra - o poeta passou a discutir elementos essenciais de sua poética, que nos interessam muito de perto, como o erotismo - este representado por sua podolatria, um fetichismo por pés, que remete à submissão - e a escatologia, no plano do conteúdo, e sua disciplina formal, seu rigor estilístico - no plano da forma. Declara-se um pornosiano, que destila temas sujos, escatológicos e retifistas em formas poéticas preciosistas como o soneto decassílabo. Fala um pouco sobre suas leituras "infantis" - Monteiro Lobato, Frank Caprio e Jean Genet - e diz que seu Manual do podólatra amador (1986) foi escrito para encerrar sua vivência visual, sendo repleto de pessimismo. Tendo comparecido ali como prosador, diz Glauco que A planta da donzela (2004) é uma paráfrase de A pata da gazela (1870), de José de Alencar, com quem dialoga por meio da paródia. "Trata-se de uma colcha de retalhos de intertextos", diz.


SONETO 401 - IMPERFECCIONISTA


Agora lhes descrevo o pé que adoro:
Maior que o meu, portanto masculino,
ainda que pertença a algum menino,
suado até, por tudo quanto é poro.

Fedido de chulé: nunca inodoro.
Sapato ou bota: em couro nada fino.
Assim, folgado e sádico, o imagino,
igual aos que da infância rememoro.

Mais longo o indicador que o polegar,
na planta é plano, e não do tipo cavo.
Percebem onde, enfim, quero chegar?

O pé que idealizo, beijo e lavo
na língua, no tesão, no paladar,
é aquele que me trata como escravo.

Não houve tempo de fazer perguntas a Glauco Mattoso, e havia muitas, não só nossas como dos provocadores escreviventes, pois eles ficaram com poemas de Bocage - cuja tradição de "poeta maldito" Glauco mantém - para estudar; sobrou, então, para Donny Correia e Valter José.



Donny Correia (2) apresentou-se e falou também um pouco sobre suas influências. Diz que, embora não faça uma poesia erótica, de fato, não nega que de certa forma dialoga com o que viu em 120 dias de Sodoma, de Pasolini, que ele considera um marco em sua vida, não por identificação, mas como válvula de escape de uma família que alimentava tabus em relação ao sexo. Em sua poesia, Donny gosta de tratar da loucura e da escatologia, não somente do sexo, como vemos neste poema:



CORPOCÁRCERE

derme de plumas, úmida
suculenta
morfou-se vulva de pedra
glácea

suspiro que seja bélico
suspeito que seja eclipse

som surdo:
música em seu corpo
sem partitura,
gentil veneno sem bula
faca de dois beijos
lânguida lâmina
de pelos e plasmas

túnel de lava faminta
cercada de seixos pudicos
amianto de fogo prata
na sólida disciplina de algoz

prisioneiro de sua pele seda: sou

enforco-me no casulo letal
da mel retina em sua guarda

os emblemas do vício

açoitam a ausência
deslizar de dedos
por quilômetros intensos
de tensão insaciável
de repulsa violenta
carnal

trombetas de mil pontas
dilaceram a libido
e tocam a balada
mordaz de um faminto
que se farta
de agonia

derme de plumas, úmida
suculenta
banquete de orgias gregas
petisco da imagem
só, projetada em vídeo
céfalovirtual

alquimia letal
de ouro e cicuta
fuligem nos
escombros do
b e l o

derramo-me tórrido
no unicorpus: nós

Vale também registrar outro, bastante conciso e incisivo:


SEM TÍTULO

clitóris
ponta de lança

carne letal

broa de sangue

banquete barato
forca

e toda libido
intrínseca
num só silêncio


Os escreviventes estiveram muito atentos e interessados durante todo o debate...















Vocês são magníficos!




















Valter José (3), filósofo, foi muito inquirido, justamente pela polêmica de suas antigas atividades: 1. crítico da revista Playboy e diretor de filmes pornôs, o que, para a maioria das pessoas, não combina com tamanho eruditismo. Pois ele foi corajoso e mostrou que é possível tal conjunção. Os escreviventes não deixaram barato e esquentaram o debate.

Acreditamos muito na importância dessa atividade, não somente como incentivo para o tema da escrita, como para um crescimento nosso, uma troca de experiências muito salutar, num espaço para discutir um assunto evitado por todos, mas presente na vida de todos. Durante a conversa, era possível ver muitos escreviventes anotando, rabiscando, criando já.


Veja no relato do sexto encontro alguns comentários dos escreviventes a respeito da conversa com os convidados.


NOTAS:

Glauco Mattoso: http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/index5.html. "Glauco Mattoso é poeta, ficcionista, ensaísta e articulista em diversasmídias. Pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva (paulistano de 1951),o nome artístico trocadilha com "glaucomatoso" (portador de glaucoma,doença congênita que lhe acarretou perda progressiva da visão, até acegueira total em 1995), além de aludir a Gregório de Matos, de quem éherdeiro na sátira política e na crítica de costumes."

Donny Correia: http://www.germinaliteratura.com.br/dcorreia.htm. Poeta, tradutor e videomaker. Nasceu em São Paulo, em 1980. Morou em Londres entre 2000 e 2003, onde editou uma coluna de entrevistas no jornal Brazilian News. Publicou o livro de poemas O eco do espelho (2005). Atualmente, é coordenador cultural da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.


Valter José: Doutor em Filosofia pela USP, dirigiu filmes pornôs na década de 1990 e foi crítico da revista Playboy.

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