segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Segundo encontro (18-10-2008)

Caros visitantes,
Eu e Mafuane não hesitamos em dizer que foi este o melhor encontro que experienciamos no Escrevivendo. Como disse a Mafu: "Ficou tudo redondo, lindo..." Neste relato que irão ler, saibam que se trata apenas de uma tentativa de representar a memória desse momento tão especial para nós.
Dia frio e nublado. Iniciamos nosso encontro, porém, inspirados por Eros, Psique, Afrodite e Marte, o que não poderia resultar em outra coisa senão muito ânimo e calor.
Após as devidas acomodações, troca de abraços e beijinhos habituais entre os participantes, perguntamos quem já havia visitado o blog e nos certificamos de que todos haviam recebido minhas sugestões a respeito da primeira proposta. Ficou combinado que não faríamos a troca em duplas desse texto, e sim iríamos realizar mais conferências para a próxima proposta, que não necessariamente anularia aquela, aliás. Todos responderam afirmativamente, então passei ao esclarecimento de uma questão recorrente em todos os textos, a qual eu já havia percebido quando da leitura que os autores haviam realizado no dia da produção: como a proposta era dirigir-se a Eros, pedindo-lhe inspiração, etc. (ver neste blog, à esquerda), os autores teriam de usar, obrigatoriamente, alguma forma de tratamento, exigência do gênero (mais ou menos como uma ode). Todos, sem exceção, misturaram as formas pronominais referentes ao tu, ao vós e ao você. A todos respondi individualmente, mas o que reforcei como um todo foi o fato de que, se essa mistura ocorrer, ela deve ser consciente, servir a um efeito de sentido diferente. Como exemplo, apresentamos o texto da Bruna (o primeiro postado aqui). Após conversarmos a respeito da adequação dos pronomes (tu, teu, tua, ti, etc., tens, podes, fazes; vós, vosso, vosso, vos, tendes, podeis, fazeis, etc.; você, seu, sua, tem, pode, faz, etc.; senhor = você, na conjugação), ela resolveu tratar Eros por "tu" durante todo o texto, apenas modificando seu tratamento na última frase, pois, uma vez conhecido e íntimo, o tratamento para com o ser amado muda. Perfeito!
A discussão sobre os pronomes estendeu-se a outros do português, a outras línguas, tendo sido discutidas várias práticas sociais e situações de comunicação. Como vêem, tentamos ao máximo não destratar nossa língua com mais gramaticalismo vazio e sim pensar a gramática na construção do texto, como os recursos estilísticos dos gêneros, dos quais fala Mikhail Bakhtin (1).
Logo depois, Mafuane fez a contação da história de Eros e Psique, seu nascimento e sorte. Foi emocionante e esclarecedora, tendo sido seguida de uma apresentação de slides muito sintética sobre o mesmo tema, rica em muitas imagens interessantes, como a do falo de Príapo, por exemplo (ver em "Leitura complementar", Eros x Príapo). Mafuane nos trouxe alguns livros interessantes, os quais constam de nossa bibliografia complementar.
Fizemos um breve intervalo e voltamos ao som de três canções: "Tango de Nancy", de Chico Buarque e Edu Lobo; "Explode coração", de Gonzaguinha, e "Sexo e amor", de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Arnaldo Jabor (as três letras já estão aqui e, em breve, os áudios também estarão. Ver também em "Leitura complementar" a crônica de Arnaldo Jabor que suscitou a canção de Rita Lee). Fizemos a interpretação e análise de texto de "Explode coração", destacando as imagens que o compositor construiu. Eu e Mafuane falamos o menos possível: sempre tentamos ouvir mais que falar, embora tenhamos feito nossas provocações e mediações, dando o fecho quando necessário.
Após a introdução, com a música "Sexo e amor" (que foi eleito o tema deste blog), lemos o poema de Drummond "Amor - pois que é palavra essencial" (v. em "Leitura complementar"), que dialoga com a mitologia grega e com Platão, além de ser uma ode, como a que pedimos aos escreviventes.
Já estávamos, então, prontos para iniciar nossa conferência sobre o Banquete, de Platão. Mafuane fez um resumo do discurso de Aristófanes, somente para aquecer, uma vez que todos tiveram o texto em mãos durante toda a semana, para ler, anotar e refletir. Além das provocações do próprio Platão (v. alguns trechos em "Leitura complementar"), levamos algumas definições de dicionário (2) de erotismo e pornografia, bem fechadonas, a fim de as abrirmos. O resultado foi um qüiproquó daqueles, uma delícia. Eu e Mafu intervíamos aqui e ali, esclarecíamos, provocávamos mais, mas a cena era dos escreviventes. Enquanto rolava o bate-boca, muita gente anotava, rabiscava.
Uma das provocações foi a leitura de Mafuane de dois trechos de Budapeste (3), um de uma descrição mais idealizada e outra mais erotizada. Da primeira vez que Mafuane os leu, fê-lo como se os trechos fossem de autores diferentes, e deu às leituras entonações bem destoantes; da segunda vez, quando os escreviventes perceberam-se ludibriados, foi feita a releitura, em tom mais condizente com o texto integral. Objetivo: mostrar que, no texto, deve-se considerar o todo, porque nem sempre os fragmentos conseguem representá-lo. A linguagem artística é complexa, não se podendo simplificá-la com títulos e rótulos. Erótico ou pornográfico? Sabe-se lá!
Deu 13h35 e, já atrasadas, passamos nossa segunda proposta de produção de texto, não sem antes distribuir o material que eles teriam de ler durante a semana, para a próxima conferência, além daquele que eles pesquisam sempre por conta. Pedimos que elaborassem um texto discutindo o que é (natureza, essência), para que serve (prática social, situação de comunicação) e como se constrói (linguagem, escolhas lingüísticas, imagens) um texto erótico e/ou pornográfico. Eles poderão acrescentar experiências, memórias em geral (de vida, de livros, de filmes, etc.). Esperamos que daí saia um texto híbrido de estrutura argumentativa e narrativa. Não especificamos o gênero, o que vier será bem-vindo.
NOTAS:
1. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
2. HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
3. BUARQUE, Chico. Budapeste. São Paulo: Companhia das Letras, 2003

Um comentário:

Sandra Schamas disse...

Assino embaixo. Realmente foi o máximo. O início teórico é árduo e meio sem graça, mas essencial para a produção de textos.

As mediadoras se impoem pela competência, se adaptam, "pero sin perder la ternura jamás". A turma do fundão se comporta, participa, com seus comentários eternos e a energia flui.

Os novos já não são mais novos, também mergulham na sopa primordial que dá vida, em forma de texto, aos nossos devaneios. Amanhã tem mais. bedjo
san