sábado, 18 de outubro de 2008

Eros x Príapo

Eros é uma das “Divindades Primordiais”, aquelas que pertencem à “pré-história” da Mitologia grega. Segundo o pensamento órfico (de Orfeu, figura mítica que deu origem a uma doutrina filosófica e religiosa), Eros teria nascido do Ovo primordial (o Caos), engendrado pela Noite, cujas metades se separaram, dando origem à Terra e ao Céu. Ele é o princípio da atração universal, que leva as coisas a se juntarem, criando a vida. Eros é a força que assegura a coesão interna do Cosmos e a continuidade da vida na terra (1).

Eros e Psique
Para Platão, ele seria um dáimon, uma força espiritual intermediária entre a divindade e a humanidade. Na cultura romana, Eros é confundido com Cupido, filho de Vênus (a deusa do amor) e de Marte (o deus da guerra), representado como uma criança alada, nua, armada com arco e flechas ou com espada e escudo, símbolo da paixão arrebatadora. Acontece que, com o passar do tempo, se desfigurou o sentido etimológico da palavra “erótico”, reduzindo o conceito a um tipo de satisfação carnal proibida (“sexo sem pecado é como ovo sem sal”, diria o cineasta Luis Buñuel), à nudez, à sacanagem, aos filmes pornôs. Confundiu-se Eros com Príapo, o deus do sexo, representado com um falo enorme, protetor dos reprodutores e símbolo da procriação.


Príapo

O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma. A atração puramente física é animalesca e não humana. É apenas o bicho que tem o período do cio. O homem e a mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos que transcende o aspecto corporal.


O erotismo, que verdadeiramente funciona e que faz perdurar a atração recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. O erotismo, que realmente e de uma forma mais duradoura estimula o desejo, se encontra na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do vago sentimento do inacessível.

Por esse prisma, os Cantos de Salomão e a poesia trovadoresca são mais eróticos do que o Kama Sutra. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre pela primeira vez.

Como diz a poeta Adélia Prado, “erótica é a alma”! Só que conhecer o espírito de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo. Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão interessante a respeito:


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre.

E, sobre a renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana: “amar é mudar a alma de casa”.

Enfim, o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem geral, é onipresente em qualquer atividade humana bem-sucedida.

A escritora Lygia Fagundes Telles afirma acertadamente: “Vocação é ter a felicidade de ter como ofício a paixão”. Mas é a escritora existencialista francesa, Simone de Beauvoir, companheira do grande poeta-filósofo Jean-Paul Sartre, quem melhor define a essência da relação carnal: “O erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade”.


Referência:

1. D´ONOFRIO, Salvatore. Pequena enciclopédia da cultura ocidental: o saber indispensável, os mitos eternos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

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