quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Segunda proposta

Caros visitantes,


Nesta postagem, estarão os textos que são resultado de nossa segunda proposta (veja abaixo), a mais complexa do módulo.


Antes de publicar aqui, os escreviventes debateram muito sobre erotismo e pornografia, fizeram a troca em duplas e eu, mediadora responsável pela parte lingüística da oficina, fiz também, por minha vez, críticas e sugestões aos textos. Lembramos que sempre ratificamos a autoria, segundo a qual os autores escreviventes podem ou não acatar a nossos pitacos.


Vale a pena ler todos os textos, pois são bem escritos e muito críticos, obtidos por meio de muito trabalho, muito suor. Pode-se dizer que trata-se de verdadeiras conquistas.
SEGUNDA PROPOSTA
Elaborar um texto discutindo o que é (natureza, essência), para que serve (prática social, situação de comunicação) e como se constrói (linguagem, escolhas lingüísticas, imagens) um texto erótico e/ou pornográfico. Pode-se acrescentar experiências, memórias em geral (de vida, de livros, de filmes, etc.). Esperamos que daí saia um texto híbrido de estrutura argumentativa e narrativa. Não há especificações de gênero textual.



EROTISMO E PORNOGRAFIA
ENSAIO
Por Bruna Nehring
“De todas as aberrações sexuais, a castidade
é a mais estranha.” Anatole France (1844-1924)

Basta o som da palavra erotismo para que a maioria das pessoas sinta-se agredida por algo quase obsceno. Parece difícil separar “erotismo” de “pornografia” quando na realidade há um mar entre os dois termos.
Entendo muito bem certas hesitações em abordar o assunto erotismo como um tabu, como algo sujo e inconfessável. Para mim, o erotismo, além das definições lacônicas dos dicionários, é a exaltação do ato sexual, evolução natural do amor sentimental para o amor carnal. O amor romântico não morre com o nascer do erotismo entre duas pessoas, pelo contrário: o erotismo alimenta e rejuvenesce o amor romântico, visto que, da criação erótica na relação sexual, renascem as vibrações que fazem com que as pessoas reencontrem seus parceiros, diminuindo a distância das horas de separação, voltando a reconhecer-se pelo amor, pelo contato e pelo desejo que os afazeres, os problemas, as dificuldades diárias extenuaram no cansaço e na mesmice; isso no que se refere a relações íntimas.
Há porém o erotismo empregado de forma visual, com a finalidade precípua de levar as pessoas para ele. São as imagens, os versos, as palavras, os sons, que são levados a público para descrever e ilustrar o erotismo. Uma pintura ou escultura de um nu não é suficiente para levar a pessoa à sensualidade. Ela deve ter algo mais, um requinte de técnica, uma posição especial, um detalhe mais em evidência, uma intenção no olhar; por exemplo: Goya pintou duas mulheres aparentemente estáticas, porém, subjetivamente, percebe-se muita sensualidade entre as duas, sugerindo uma relação lésbica. Ao mesmo tempo, tais obras devem revelar a capacidade de quem as fez de transmitir algo belo e construtivo, algo quase acima do terrestre, algo mais sublime do que a definição etimológica daquilo que foi criado. Essa imagem, com essas características e com essas intenções, se transforma numa mensagem que conta - e inspira - uma estória. Ela revela a alma de quem a compôs ou de quem foi retratado ou do povo de onde surgiu. É a criação artística em volta de um sujeito.
Existe na mitologia grego-romana a divindade Priapo-Fallo (deus do sexo), de semblante feio, que, representado numa escultura do primeiro século a.C., ostenta um pênis de grande desproporção pela sua pequena estatura; em exposição num museu, terá exercido sua função artístico-educativa. Uma reprodução do mesmo nos salões de um evento ligado, por exemplo, à divulgação de um novo contraceptivo, vai adquirir um efeito erótico, forma de lembrar aos freqüentadores o quanto é importante usar o produto promovido. Já decorando a entrada de um bordel, sua intenção será evidentemente pornográfica, fora de qualquer contexto, mera obscenidade.
Recentemente, escrevi a receita de um drinque para um amigo que, em breve, receberia para jantar uma mulher de seu interesse. “KIR-ROYAL”, um drinque a ser servido como aperitivo OU na sobremesa, dispensando o café. Muito simples, simples demais.
Visto que eu estava, junto com a receita, desejando-lhe sucesso na conquista, quis dar um ar mais romântico, mais sensual, num texto um pouco mais longo do que uma simples receita de dois ingredientes e sugerir nas entrelinhas quão erótica poderia tornar-se a ceia. Transformei a receita original nisto:

Querido amigo,
Aproveite a receita daquele meu conto “O Sena na neve”. A comida é fácil, rápida e de grande efeito no paladar e no visual. Sirva os vinhos durante o jantar e guarde a garrafa de champanhe na geleira (de prata, se puder), bem à vista na mesa até a hora da sobremesa. Coloque em cada taça de boca larga (como aquelas do dry Martini) uma dose de licor de Cassis (se não tem medidor, use uma colher de chá ou de sobremesa, mas a medida mais apropriada seria aquela que V. imagina caber na boca dela!).
Agora (atenção ao gestual, carinhoso, misterioso, sensual...) abra a garrafa de champanhe (brut, por favor... É mais caro, mas coloca você num nível de privilégio e ela, num pedestal...) e aguarde alguns segundos, para que a espuma se dissipe, e encha o restante dos copos. Escolha um fundo musical: algo imortal da bossa nova, por exemplo. Saiam da mesa, copos e garrafa na mão, e acomodem-se num sofá macio e acolhedor. Uma dica final de alguém que já foi brindada com isso (com resultado inesquecível...): reze para que ela tenha chegado calçada com lindos escarpins e faça os brindes seguintes utilizando-os no lugar das taças. Atenção: não é fácil beber de um sapato, mas, afinal, quando isso estiver acontecendo, não haverá como estragar a roupa de ninguém.

Tudo isso por que o erotismo é freqüentemente ligado à bebida e, mais ainda, à boa comida: um estômago mais do que satisfeito solicita aos demais sentidos a urgência de satisfações ulteriores.
Nos anos sessenta, lembro de uma cena do filme Tom Jones em que a já cinqüentona Angela Lansbury estava sentada à mesa rústica de uma taberna - coisa de aventuras e espadachins – estraçalhando peles e carnes de frangos e carneiros: gordura descendo pelo queixo, língua catando resíduos em volta dos lábios, dedos ensebados esfregando o decote entre seios suados. E seus olhos despindo furiosamente a farta camisa branca do jovem à sua frente, que, no mesmo frenesi, também deglutia a comida, arrancando a dentadas até a cartilagem dos ossos. O erotismo da glutonaria era tão forte que não foi necessário acompanhar a corrida dos dois para a cama.
Pornografia? Para isso deveriam ter estado os dois, já nus, comendo e comendo-se na mesa, num ritmo de toques e de frases que se entredevorassem e se repetissem entre si. Então, todas as fases anteriores da película, tão elegante e classuda, apesar do argumento, estariam obliteradas, e as cenas seguintes, jogadas à vulgaridade. Se cenas assim fossem a constante do filme, não seria mais nem pornografia, mas obscenidade, que – parece-me - é a pornografia acrescida do mau gosto.
E o que dizer de O último tango em Paris - se não me engano, do Bernardo Bertolucci, -, cujas cenas de sexo com preliminares de prática discutível não conseguiram ser nem pornográficas nem obscenas. A habilidade do diretor enquadrou no personagem (um Marlon Brando silenciosamente dilacerado pelo remorso) a transformação de sua culpa em luxúria desenfreada, perante uma parceira (aquela Marie Schneider, de grandes atuações e pouquíssimos filmes) vagante entre a incredulidade da situação e a esperança de um orgasmo inesperado.
Nos anos 70, mais precisamente em 1973, uma produção ítalo-francesa, intitulada La grande bouffe (A comilança), chegou aos cinemas europeus com grande escarcéu, sem proibições, sem censuras, arrebatando o grande Prêmio da Crítica Internacional. Tudo isso pela habilidade artística dos roteiristas Marco Ferrero e Raffaele Ascona . Dirigido por Ferrero (Ah! Esses italianos...), o filme contava a determinação de quatro homens a matarem-se de tanto comer.
Interpretados por atores do calibre de Marcello Mastroianni, Ugo Tognazzi, Philipe Noiret e Michel Piccoli, os personagens – cada um com suas frustrações, que os levaram a tamanha decisão - transmitiram sem excessos nem vulgaridade as ansiedades emocionais e culinárias de cada um. Era de ansiedades que se tratava e não de mera fome. Numa grande mansão, num ambiente de grande cozinha e seus apetrechos, entre uma daquelas enormes geladeiras de madeira com janelão de vidro dos açougues e fogões de mil bocas a gás e a lenha, sabores e aromas pareciam invadir a sala do cinema. Entre as mesas dos jardins e dos dormitórios - onde também transitavam prostitutas, embora não houvesse nenhuma cena de sexo esplícito -, os pratos exalavam sensualidade. Nem a presença de uma Andréa Ferreol, atriz de opulência “junônica”, conseguiu dar ao conjunto uma conotação pornográfica. Tudo foi erotismo e sensualidade: na tela. A platéia: à flor da pele.
Saí do cinema, quase correndo naquela avenida desconhecida, à procura de uma farmácia: queria um alka-selzer a qualquer preço. Eliminada sua efervescência por boca e nariz, continuei em disparada na direção ao Hotel em que estávamos hospedados e onde deveria encontrar meu marido, após sua reunião de negócios. Desejei ardentemente que ele já estivesse lá. Estava. Ardentemente foi o termo certo.
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Erotismo x pornografia
por Marisa Fernandes
Muitas vezes nos deparamos com frases como: “Isso é muito pornográfico, prefiro algo mais erótico”. Mas, afinal, o que é pornografia? E o que é erotismo? Penso que cada um de nós tem uma percepção diferente para cada uma dessas palavras...

A pornografia pode estar presente em um filme (de gosto duvidoso?), em uma obra literária (podemos chamá-la assim?), em determinados espetáculos (?), na mente de uma pessoa...

Uma obra pornográfica é:

algo bruto,
não lapidado,
grosseiro,
agressivo,
algo que se apresenta “nu e cru”,
vai direto ao “assunto”,
o lado animal do ser humano,
o grotesco,
a exploração sexual ...
É algo devasso,
é apelativo,
é de mau gosto,
é tosco,
é escancarado,
é obsceno,
é explícito ...
Pode nos causar aversão!

O erotismo pode estar presente em um filme (com um forte apelo sensual, que delicia ...), em uma obra literária (que nos sensibiliza), em uma peça de teatro (que nos arrebata), em uma obra de arte (que nos encanta), na mente e sentidos de uma pessoa ...

Uma obra erótica é:

algo sensual,
implícito,
voluptuoso,
delicado,
sensível,
traz um prazer delicioso,
que vem aos poucos e,
por isso mesmo,
é mais intenso...
A sensação de prazer se prolonga...
O erótico nos embala,
nos sugere,
nos conduz,
de uma forma leve,
mas firme.
O erótico é Belo
e
pode nos deleitar!

Não há como não se encantar com obras como “O Beijo”, a escultura de Rodin ou “O Beijo”, a pintura de Gustav Klimt.

Um comentário:

Escrevivendo disse...

Bruna,

O blog, a nossa revelia, desfaz os parágrafos, desculpe-nos.

Eu trocaria "vagante" por "errante", o que acha?

Beijos,

Loreta