Já chegamos à metade deste nosso módulo Escrevivendo Memórias Eróticas, que a cada dia fica mais interessante, pelo menos para nós, mediadoras. Esses dias, passando pelo blog da Sandra Schamas, reli o texto "Orgia literária ou prazeres do texto grupal" e me emocionei novamente. Trata-se de texto de transição entre o módulo anterior - Escrevivendo Memórias de Amor - e este. Acessem: http://sschamas.blogspot.com/ e deleitem-se.
Hoje foi dia de leitura das últimas produções, de compartilhar textos dos escreviventes. Adoramos esse momento, pelo qual esperamos ansiosamente, roendo as unhas, ainda mais para saber o que vai sair da proposta feita. Alguns textos pudemos conhecer durante a semana, uma vez que muitos escreviventes conseguiram fazer sua primeira versão e nos mandar por e-mail. Ainda assim, aguardávamos a leitura deles em grupo e as reações de sua primeira recepção. Tal momento é impactante e único.
(...) pois, antes de se afastarem dali, mais de uma vez elas quiseram constatar como o mudo sabia cavalgar. (p. 121)
Um dos escreviventes, a Bruna, nos chama a atenção para o fato de, nesse trecho, o mudo satisfazer as duas freiras ao mesmo tempo:
"As duas jovens investigaram bem, por todos os lados; comprovaram que de nenhuma parte podiam ser vistas; a mais audaciosa, que iniciara a conversa a respeito de Masetto, despertou-o; e ele logo se pôs de pé; a freira segurou uma de suas mãos; fez-lhe algum carinho; e ele rindo, de tempos a tempos, como se fora um perfeito idiota, deixou-se conduzir ao caramanchão, onde, sem ser muito empenhado, fez o que ela queria que ele fizesse. A jovem, como companheira leal, assim que recebeu o que queria receber, cedeu seu posta à outra; e Masetto, mesmo continuando a parecer simplório, fez a vontade das duas; pois, antes de se afastarem dali, mais de uma vez elas quiseram constatar como o mudo sabia cavalgar. Em seguida, ambas, conversando a esse respeito, reconheceram que aquilo de fato era coisa deliciosa - e muito mais deliciosa do que tinham ouvido afirmar." (p. 121)
Entretanto, nossos participantes não chegaram a apontar elementos do texto que ilustrassem aquele dizer velado, o que, após provocá-los e deixá-los com a pulga atrás da orelha, revelamos. Trata-se de algumas passagens simples, como:
1. "(...) a freira segurou uma de suas mãos; fez-lhe algum carinho; e ele rindo, de tempos a tempos, como se fora um perfeito idiota, deixou-se conduzir ao caramanchão, onde, sem ser muito empenhado, fez 0 que ela queria que ele fizesse. A jovem, como companheira leal, assim que recebeu 0 que queria receber, cedeu seu posta à outra; e Masetto, mesmo continuando a parecer simplório, fez a vontade das duas; pois, antes de se afastarem dali, mais de urna vez elas quiseram constatar como o mudo sabia cavalgar. Em seguida, ambas, conversando a esse respeito, reconheceram que aquilo de fato era coisa deliciosa - e muito mais deliciosa do que tinham ouvido afirmar. Dali por diante, pois, sempre aguardando 0 momento azado, passaram a divertir-se com o mudo." (p. 121)
2. "(...) concordaram em que seria melhor elas partilharem do generoso poder de Masetto. (p. 122)."
3. "Então, com unânime consentimento, pondo-se às claras aos olhos de todas o que por todas fora praticado as escondidas (...)". (p. 122)
Concluímos essa discussão conversando sobre as potencialidades do leitor, que é capaz de captar muito mais do que está escrito no texto, dependendo, em grande parte, de suas experiências e de seu repertório. Dessa forma, na linguagem deve estar a consideração do autor pelo seu leitor, o qual não deve nunca ser menosprezado.
Voltando às leituras das produções dos escreviventes, estas se estenderam até o fim do encontro, entremeadas de muita polêmica. O primeiro texto lido, o do Paulo, gerou muitos comentários acerca da linguagem erótica ou pornográfica. Houve muitas críticas, mas os escreviventes se lembraram de que 1. o Escrevivendo é um espaço para se discutir a linguagem escrita e 2. a recepção dos leitores é muito individual. "Quem dá a medida do erótico ou do pornográfico somos nós mesmos, de acordo com nossos valores, nossas experiências", disse a Mafuane; assim, a linguagem obscena pode agradar a leitores que não se contentam com a sutileza de Tolstói, por exemplo, em Anna Kariênina. Após a reescrita, cremos que o Paulo autorizará a publicação de seu texto aqui no blog.
Quanto à proposta (v. "Segundo encontro", nesta seção), parece que, no geral, conseguimos nos fazer entender. Temos de levar em consideração que muitos de nossos escreviventes assumem-se "rebeldes", recusando-se a qualquer tipo de engessamento, mesmo que seja somente uma sugestão. Se não houvesse proposta nenhuma, apostamos, seríamos questionados sobre ela. Ai, esses autores...
Comentários dos escreviventes sobre os quais vale a pena se pensar:
"O pornográfico fere".
"Os poetas são mais eróticos".
Anotamos muitos dos comentários aos textos, mas pensamos ser melhor postá-los à medida que os textos forem publicados aqui, uma vez que vocês que estão lendo este texto não teriam os textos citados em mãos - ou em tela...
No próximo encontro, receberemos os valiosos Glauco Mattoso, Donny (poetas) e Walter José (filósofo e cineasta) para um debate sobre erotismo e pornografia. Será permitido levar convidados. Durante a semana, os escreviventes terão contato com a obra desses importantes artistas e já formularão questões para as provocações. Nós, mediadoras, estamos ansiosas e vamos tietar!!!!
Abraço a todos,
Loreta
1. BOCCACCIO, Giovanni. Decamerão. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Nova Cultural, 2003. p.119-123.
2 comentários:
No terceiro encontro do módulo 'Escrevivendo Memórias Eróticas'(25/10), ministrado por Loreta e Mafuane, não resisti... e apareci. Alef, para matar um pouco da saudade que sinto dos escreviventes ( até a Sandra do Textando 2005 estava lá!); Beit, para ver como correriam as discussões sobre o filme O Livro de Cabeceira (1995- inspirado no diário de Sei Shonagon) , de Peter Greenway.
Durante os comentários, a outra Sandra, a Schamas, disse estar surpresa com o 'casamento' entre o filme escolhido para a discussão e o tema deste Escrevivendo: o erotismo. Então, acabei revelando que este último módulo de 2008 foi pensado a partir deste filme, dando continuidade aos módulos Memórias e Memórias de Amor.
Assim como foi para o escritor e poeta Haroldo de Campos (segundo Maria Esther Maciel), Greenway é também meu cineasta contemporâneo favorito.
Há poucos meses, Maciel ( professora de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFMG) esteve na Casa das Rosas e ministrou um curso sobre este diretor e suas obras. Ao rever parte do filme em questão, reencontrei belas reflexões que adoraria compartilhar em nossa oficina de leitura e escrita.
Como esta é uma breve explicação, vou parando por aqui, mas não sem antes deixar algumas indicações para leituras complementares:
1- A memória das coisas- ensaios de literatura, cinema e artes plásticas, de Maria Esther Maciel (v. bibliografia).
2- http://www.tulselupernetwork.com/basis.html
( um trabalho multimídia interessantíssimo)
3- O idioma analítico de John Wilkins, de J.L. Borges
4- http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2499,1.shl
(sobre outras 'listas literárias')
Sábado, 08/11, teremos um debate entre os poetas Glauco Mattoso e Donny Correa, além da participação do filósofo e especialista em filmes "B", Valter José, sobre erotismo & (ou versus) pornografia .
Até lá,
KK
Loremafu:poderiam postar sites do Donny e do Glauco Mattoso? Quem sabe um poema de cada um?
O Blog está muito bom, bjs,
KK
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