sábado, 29 de novembro de 2008

Eros, o último que morre


Por Roberto Dupré


Lá, em Kathmandu, no topo do mundo, onde se vê o mais alto e o mais profundo, vivem apenas dua espécies de aves: as multicoloridas esperanças e os frágeis pálidos sonhos. As esperanças se alimentam dos sonhos, cujas plumas entopem os córregos congelados e as geleiras em formação. Quando não há o que comer, as esperanças voam para as planícies e nos quartos improváveis dos bairros invisíveis, nos fazem acreditar que todas as coisas são possíveis. Até mesmo ter Você. E, quando fenecem, tudo o que resta são pequenos sofreres e dores imensas.
Da janela do monastério, lá em Kathmandu, um monge cansado e sem paciência sorri um último sorriso.

domingo, 23 de novembro de 2008

Sexto encontro (15-11-2008)

Caros visitantes,

A programação do encontro de hoje não foi ambiciosa em termos quantitativos, tendo sido nosso objetivo consolidar algumas conquistas que logramos ao longo do módulo deste Escrevivendo.
Primeiramente, quisemos ouvir dos escreviventes seus comentários a respeito do debate que lhes proporcionamos com os poetas Glauco Mattoso e Donny Correia e com o filósofo Valter José (veja "Quinto encontro"). Glauco, ao mesmo tempo que aclamado por muitos escreviventes (a maioria), sofreu a crítica de ser simplesmente um poeta que escrevia para se livrar de traumas. Contra isso, lembramos o interlocutor de que se tratava, na verdade, de se escrever a partir dos traumas, exortado por eles: por ser cego e homossexual, principalmente. O objetivo principal de Glauco Mattoso - e de toda poesia satírica - é vingar-se da sociedade. E por que criticar a escatologia presente em sua poesia se "a sociedade é suja" (comentário de uma escrevivente)? Outro escrevivente atenta-nos ao fato de que o poeta constrói uma persona satírica, com a qual não necessariamente se identifica por completo. Diz ele: "Duvido que o Glauco faz tudo aquilo que ele relata em sua poesia". Provocação!
Quanto a Donny, foi unânime a opinião de que ele foi prejudicado, uma vez que houve pouco tempo para que falasse de si e de sua poesia, a qual, segundo Bruna, nossa escrevivente, é tão afetiva, tão sensível e, ao mesmo tempo, precisa.
O principal comentário a respeito de Valter José foi de que eles, escreviventes, antes de conhecê-lo, não imaginavam que seria possível unir tamanha erudição ao gosto pelo pornô. Criticou-se o fato de o cinema ter sido muito mais inquirido que a poesia de Glauco Mattoso e de Donny Correia.
Em relação à atividade do debate, ficamos muito satisfeitas com os comentários. Uma escrevivente disse que foi uma "oportunidade espetacular, pois nunca me imaginei conversando com um cineasta de filme pornô", enquanto outro disse que "a discussão foi de grande profundidade."
A segunda metade da aula foi reservada inteiramente ao que chamamos de troca em duplas. Durante 1h30, os escritores tiveram a oportunidade de reler o texto uns dos outros e comentá-lo com mais acuidade, criticando com minúcia cada pormenor da linguagem. Trata-se de um dos momentos mais importantes do Escrevivendo, pois dá continuidade à reflexão sobre o processo de escrita e sobre a atividade de metalinguagem, numa oportunidade de pensar sobre os diferentes efeitos expressivos de diferentes construções, repensar escolhas lingüísticas e descobrir alguns meandros do processo criativo, desautomatizando o que é "inconsciente" na escrita.
Infelizmente, nesse momento notamos certa resistência por parte de alguns escreviventes, e achamos importante esclarecer o objetivo, o porquê da troca em duplas, além do que já expusemos acima. O fato é que o Projeto Escrevivendo, assim como o método de ensino de escrita de Lucy McCornick Calkins (1989), o qual procuramos seguir, vê na interação com o outro uma das principais funções da escrita e do discurso em geral. Se, por um lado, a interação se dá de forma magnífica na leitura oral compartilhada dos textos, nós, participantes de uma oficina de escrita, não poderíamos deixar de estabelecer tal interação também com o texto escrito, o que se materializa através do "comentário":
A participação do outro, ultrapassando a revisão que seria a de um corretor ortográfico ou gramatical (...) traz para a pauta de discussões o funcionamento real do discurso, a construção dos significados, as inferências, a interlocução possível com um destinatário distante (GARCEZ: 1988).
Não faria sentido para nós somente a revisão gramatical por parte do professor, que seria o único interlocutor do texto e seu único leitor. Dessa forma, o processo de escrita ficaria muito fechado, o que vai totalmente contra nossa concepção pragmática de que a língua e os textos são uma forma de intervir no mundo, socialmente, portanto. Ainda que os textos sejam ótimos e já muito bem escritos, como no caso desta nossa turma, sempre há o que melhorar, e a busca pela precisão, pela máxima expressão nunca se completa. Esse é um fato nada desalentador, pelo contrário; deve-se encará-lo como uma provocação, uma exortação ao trabalho com a linguagem!
O Projeto Escrevivendo, assim como o método de Calkins, prevê a leitura cuidada do professor, a qual os alunos esperam e exigem, mas desde que não seja a única leitura.
Durante a troca em duplas, Mafuane e eu fomos a cada uma, tentando aconselhar, ver e ouvir o que estava sendo feito, acompanhar a atividade de perto. Adoramos esse momento de labuta e de esquecimento de si por parte dos autores. O tempo voa e o resultado é magnífico, como pudemos constatar nos textos que vimos recebendo, os quais serão postados logo mais.
Loreta
BIBLIOGRAFIA
CALKINS, Lucy McCornick. A arte de ensinar a escrever. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
GARCEZ, Lucília H. Anotações para o futuro. In: A escrita e o outro - os modos de participação na construçao de um texto. Brasília: UnB, 1988. p.158.

sábado, 22 de novembro de 2008

Erotismo em Canova

Contribuição da Escrevivente Bruna Nehring
ANTONIO CANOVA (1757-1821)

Apesar de autodidata, foi o renovador da grande escultura italiana, o maior representante do neoclássico, tendo construído suas composições através do estudo da natureza e dos grandes escultores clássicos.

Trabalhou a convite de mecenas em diversos países europeus, como Alemanha, Inglaterra, Espanha, França, onde recebeu o convite de Napoleão para esculpir sua estátua e a de sua irmã, Paolina Borghese. Existem tradicionalmente anedotas sobre as duas: Canova fez uma escultura em bronze de Napoleão, retratando-o como o Deus Apolo, mas Napoleão não gostou da idéia de ser retratado nu e recusou a obra. Então, Canova levou-a de volta para a Itália, onde foi colocada no pátio do Palazzo de Brera em Milão. Já a escultura de Paolina Borghese (1805-1808), apesar de ela ter pousado seminua, foi aprovada por seu marido, Príncipe Borghese, e está até hoje na Galeria do Palazzo Borghese, em Roma. Dizem que o formato da primeira taça arredondada de champanhe foi moldado no seio dela (na escultura).

Outra obra muito famosa sua é Amore e Psiche*, de 1793, a qual retrata Eros aproximando-se de Psique adormecida para despertá-la com um beijo.




A grande fama de Canova deve-se à sua rejeição aos excessos de musculatura, até então herdados dos escultores gregos, e sua grande mestria na escolha dos mármores mais brancos, sem estrias, arte dificílima, pois os grandes blocos não revelam eventuais defeitos em seu interior.


*Consulte o mito de Psique em Leitura Complementar.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quinto encontro (08-11-2008)

Caros visitantes,

O encontro que relataremos agora foi muito importante para a oficina do Escrevivendo Memórias Eróticas.

Esse foi um dia reservado ao recebimento de convidados ligados ao mundo da poesia, uma vez que o Escrevivendo é o único curso da Casa das Rosas - um espaço de poesia - que trata da prosa. Segundo o tema deste módulo, convidamos os poetas Glauco Mattoso e Donny Correia e o filósofo e cineasta Valter José para um debate em torno da questão sobre os limites entre erotismo e pornografia.




















A palavra foi cedida primeiramente a Glauco Mattoso (1), que teria somente uma hora para ficar conosco. Após rápida apresentação de si - uma vez que muitos ainda não haviam tido contato com sua obra - o poeta passou a discutir elementos essenciais de sua poética, que nos interessam muito de perto, como o erotismo - este representado por sua podolatria, um fetichismo por pés, que remete à submissão - e a escatologia, no plano do conteúdo, e sua disciplina formal, seu rigor estilístico - no plano da forma. Declara-se um pornosiano, que destila temas sujos, escatológicos e retifistas em formas poéticas preciosistas como o soneto decassílabo. Fala um pouco sobre suas leituras "infantis" - Monteiro Lobato, Frank Caprio e Jean Genet - e diz que seu Manual do podólatra amador (1986) foi escrito para encerrar sua vivência visual, sendo repleto de pessimismo. Tendo comparecido ali como prosador, diz Glauco que A planta da donzela (2004) é uma paráfrase de A pata da gazela (1870), de José de Alencar, com quem dialoga por meio da paródia. "Trata-se de uma colcha de retalhos de intertextos", diz.


SONETO 401 - IMPERFECCIONISTA


Agora lhes descrevo o pé que adoro:
Maior que o meu, portanto masculino,
ainda que pertença a algum menino,
suado até, por tudo quanto é poro.

Fedido de chulé: nunca inodoro.
Sapato ou bota: em couro nada fino.
Assim, folgado e sádico, o imagino,
igual aos que da infância rememoro.

Mais longo o indicador que o polegar,
na planta é plano, e não do tipo cavo.
Percebem onde, enfim, quero chegar?

O pé que idealizo, beijo e lavo
na língua, no tesão, no paladar,
é aquele que me trata como escravo.

Não houve tempo de fazer perguntas a Glauco Mattoso, e havia muitas, não só nossas como dos provocadores escreviventes, pois eles ficaram com poemas de Bocage - cuja tradição de "poeta maldito" Glauco mantém - para estudar; sobrou, então, para Donny Correia e Valter José.



Donny Correia (2) apresentou-se e falou também um pouco sobre suas influências. Diz que, embora não faça uma poesia erótica, de fato, não nega que de certa forma dialoga com o que viu em 120 dias de Sodoma, de Pasolini, que ele considera um marco em sua vida, não por identificação, mas como válvula de escape de uma família que alimentava tabus em relação ao sexo. Em sua poesia, Donny gosta de tratar da loucura e da escatologia, não somente do sexo, como vemos neste poema:



CORPOCÁRCERE

derme de plumas, úmida
suculenta
morfou-se vulva de pedra
glácea

suspiro que seja bélico
suspeito que seja eclipse

som surdo:
música em seu corpo
sem partitura,
gentil veneno sem bula
faca de dois beijos
lânguida lâmina
de pelos e plasmas

túnel de lava faminta
cercada de seixos pudicos
amianto de fogo prata
na sólida disciplina de algoz

prisioneiro de sua pele seda: sou

enforco-me no casulo letal
da mel retina em sua guarda

os emblemas do vício

açoitam a ausência
deslizar de dedos
por quilômetros intensos
de tensão insaciável
de repulsa violenta
carnal

trombetas de mil pontas
dilaceram a libido
e tocam a balada
mordaz de um faminto
que se farta
de agonia

derme de plumas, úmida
suculenta
banquete de orgias gregas
petisco da imagem
só, projetada em vídeo
céfalovirtual

alquimia letal
de ouro e cicuta
fuligem nos
escombros do
b e l o

derramo-me tórrido
no unicorpus: nós

Vale também registrar outro, bastante conciso e incisivo:


SEM TÍTULO

clitóris
ponta de lança

carne letal

broa de sangue

banquete barato
forca

e toda libido
intrínseca
num só silêncio


Os escreviventes estiveram muito atentos e interessados durante todo o debate...















Vocês são magníficos!




















Valter José (3), filósofo, foi muito inquirido, justamente pela polêmica de suas antigas atividades: 1. crítico da revista Playboy e diretor de filmes pornôs, o que, para a maioria das pessoas, não combina com tamanho eruditismo. Pois ele foi corajoso e mostrou que é possível tal conjunção. Os escreviventes não deixaram barato e esquentaram o debate.

Acreditamos muito na importância dessa atividade, não somente como incentivo para o tema da escrita, como para um crescimento nosso, uma troca de experiências muito salutar, num espaço para discutir um assunto evitado por todos, mas presente na vida de todos. Durante a conversa, era possível ver muitos escreviventes anotando, rabiscando, criando já.


Veja no relato do sexto encontro alguns comentários dos escreviventes a respeito da conversa com os convidados.


NOTAS:

Glauco Mattoso: http://glaucomattoso.sites.uol.com.br/index5.html. "Glauco Mattoso é poeta, ficcionista, ensaísta e articulista em diversasmídias. Pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva (paulistano de 1951),o nome artístico trocadilha com "glaucomatoso" (portador de glaucoma,doença congênita que lhe acarretou perda progressiva da visão, até acegueira total em 1995), além de aludir a Gregório de Matos, de quem éherdeiro na sátira política e na crítica de costumes."

Donny Correia: http://www.germinaliteratura.com.br/dcorreia.htm. Poeta, tradutor e videomaker. Nasceu em São Paulo, em 1980. Morou em Londres entre 2000 e 2003, onde editou uma coluna de entrevistas no jornal Brazilian News. Publicou o livro de poemas O eco do espelho (2005). Atualmente, é coordenador cultural da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.


Valter José: Doutor em Filosofia pela USP, dirigiu filmes pornôs na década de 1990 e foi crítico da revista Playboy.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

PILLOW BOOK (O livro de cabeceira)

Por Bruna Nehring

Nagiko, desde sua primeira infância, foi criada com a obsessiva valorização do “toque” físico e erótico que pincéis, peles, tintas e caligrafia DEVIAM exercer. Ela fez evoluir um relacionamento emocional com seu pai, quase incestuoso, a partir do momento em que aprendeu com ele o toque do corpo, da pele, da saliva, do cheiro das tintas e o da pele que se modifica após a escrita. A caligrafia, na forma como lhe foi ensinada, extrapolava a arte como arte, carregada no erotismo do toque (lamber a pele, o pincel, a tinta, cheirar a tinta e novamente lamber a pele após ter sido escrita, como vimos o pai ensinar, não com gestos lúdicos ou profissionais, mas com um erotismo exacerbado).

Querer vingar o pai foi – também – a forma que ela procurava para libertar-se dele. Há um momento em que ela, criança, percebe que o pai também usava sexualmente os “mensageiros”. Desencantada pelo pouco caso que o marido dava às suas preferências sexuais (o incêndio dos papéis que agora passa a lhe parecer sacrilégio), ela foge de Kyoto - cidade de templos e religião, sim, mas principalmente de indústrias áridas – para Hongkong. Por que Hongkong? Ainda não é China na intenção do cineasta. É lá que surge em Nagiko a tentativa de cosmopolizar-se, aprender outros idiomas, “caligrafar” - como redescoberta de arte pura - em outras línguas. Entrando no “mundo”, (Hongkong era para ela o mundo no sentido internacional) ela está decidida a liberar-se daquela opressiva obsessão: confundir-se com seres humanos “estrangeiros” que trabalham e produzem, mas que mantém no íntimo (ela acha) o prazer daquela arte como mera arte. Os telefones, a datilografia em ideogramas (máquina complicadíssima que acaba na privada), os bares noturnos. Duvidosa é a existência de bares – ou outro tipo de locais – onde há espaço, e clientela, para a pintura de corpos. Poderia ser um bordel: lá tudo é permitido, bastaria levar seu próprio kit...

É lá que Nagiko parece querer abstrair-se do seu prazer pessoal em ser caligrafada, para começar a querer ver (ela é voyeur sim...), descobrir e “sentir” se os outros exalariam o mesmo prazer sexual ao serem caligrafados por ela ou por outrem. Para fazer isso, ela começar a se deixar caligrafar por escrevinhadores (para tentar “congelar” seu hábito de prazer), até encontrar Jerome, que primeiro ela rejeita, desprezando a qualidade de sua pele, para depois aceitar o desafio do jovem inglês, intrigado por aquela exaltação. Raça dominante, num minúsculo território de cultura anônima depois de centenas de anos de protetorado inglês, Jerome, tão jovem, abre mão de sua superioridade ancestral e se ajoelha perante aquela arte versátil, sensual, arrebatadora. É aí que o amor carnal, numa seqüência de imagens eróticas, dignas de kama-sutra-ad-infinitum, irrompe de forma tão definitiva que veste-se de sentimento, de amor, de espiritualidade. É lá que adquirem significado as cenas de carne jogada ao lixo: primeiro como rejeição da carne (não da pele), inapta à arte, e depois como obliteração dos prazeres da carne suplantados pela ascensão do amor às mais altas esferas do romantismo. Naquela rendição incondicional, Jerome chega a prestar-se como serviçal, levando os textos dela a editores que tinham o hábito, como o pai dela, de usar sexualmente os mensageiros.
Uma vez que a ligação carnal dos dois já se havia transformado em sublimação, e uma vez que Jerome estava sendo usado sexualmente fora do amor de Nagiko, estabelece-se o CIÚME: por ciúme, ELA, para puni-lo, entra com a prostituição caligráfica, ou seja, volta ao status quo de seu prazer individual em ser caligrafada por qualquer um; enquanto ELE entra com a divulgação de seu ciúme e, envergonhado, com o suicídio.

O cineasta poderia ter evitado a menção de Shakespeare: as pílulas mortíferas, fornecidas por um amigo ocasional, teriam sido eficazes sem semear no íntimo do espectador a expectativa de um suicídio a dois, banalizando naquele momento uma estória que até aquele momento estava sublimada por uma cultura acima de qualquer sugestão ocidental. Resta a ver se o cineasta o fez por livre e espontânea vontade ou se a “citação” consta do livro (diário) da autora. Se esta última hipótese é a verdadeira, poderia ela ser atribuída à vontade de Nagiko de ocidentalizar-se? Aquela vontade era tão forte assim? Se era, está explicada a ansiedade dela de livrar-se de um prazer sexual tão oriental. Entretanto a forma como a tragédia shakespeariana entra no filme soou barato.
Mais momentos críticos do filme como arte cinematográfica: ele poderia ter terminado no enterro de Jerome, na conversa surda, inútil e leviana entre uma mãe-muito-britânica-dona-do-lugar-e-muito-pouco-mãe-de-Jerome, com uma Nagiko oriental, sim, mas agora vazia de emoções. Também a estória dos demais livros e das demais imagens - ilustrativas de uma cultura internacionalmente ainda abstrata - tornou-se um peso que não acrescentou à mensagem intrínseca do filme, cujo sentido intimista correu o risco de perder-se no prolixo que foi, em termos artístico-cinematográficos para nossa era e para nossa ocidentalidade.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Para Eros, com saudades... (o Viagra desnecessário)

Por Roberto Dupré

Terror diante da morte do corpo.

Mas eis que ele morre e percebo a beleza do espírito.
Posso olhar o mundo com outros olhos.
Confesso que sinto saudades; melhor ainda: sinto falta do prazer.

Mas vejo como é bom afagar-te com o tato
Vejo como é bom o contato da tua pele.
O tempo poupou-nos.
A mim, os sentidos
A ti, toda a beleza
E só agora, no fim da vida,
coberto de neve,
eu que sempre acreditei possuir-te
Agora, aperreado do instinto
mas com o coração em chamas, posso, enfim
Ter-te.

Primavera de 2008

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

OFICINA DE ESCRITA E LEITURA PARA O COTIDIANO
por Karen Kipnis

A proposta da oficina é incentivar jovens e adultos a produzir textos e a refletir sobre sua maneira de escrever. Neste sentido,a oficina desmistificará o ato da escrita transformando-a num processo centrado na reflexão sobre o assunto, sobre a forma textual adotada, sobre o papel do leitor e sobre o encadeamento das idéias.

Aprendendo a escrever melhor e a ler mais crítica e atentamente, é reforçada nos participantes a sua cidadania e sua auto-estima, permitindo que atuem mais ativamente na sociedade.
O Escrevivendo existe há três anos na Casa das Rosas- Espaço Haroldo de Campos de Poesia eLiteratura- e também já foi ministrado durante um ano na Biblioteca Temática de Poesia Alceu Amoroso Lima. Como resultado, somos uma espécie de família hospitaleira que adora receber novos escreviventes.

A partir de agosto de 2008, passei de mediadora a coordenadora do projeto Escrevivendo. Como mediadores, alunos de licenciatura da Fe/USP (Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa- em parceria com a Professora Doutora Neide Luzia de Rezende). Desta forma, demos um passo em direção à grande demanda por oficinas de escrita e leitura em São Paulo.

Quanto à interface para a blogagem, desenvolvo um projeto de pesquisa e pretendo, neste trabalho experimental com o blog - ferramenta de novas tecnologias de informação e comunicação- em parceria com a comunidade CIAM , de Marilia, verificar se será efetivo o uso da blogagem tanto entre mediadores e redatores participantes desta oficina quanto entre possíveis escreviventes que não possam estar presentes fisicamente conosco.
** Ao lado, poderão ser visitados outros blogs do Projeto Escrevivendo.

Bem-vindos!
Karen Kipnis

J.L.Borges e algumas de suas classificações

Postado por: Karen Kipnis

El idioma analítico de John Wilkins [fragmento]

“Esas ambigedades, redundancias y deficiencias recuerdan las que el doctor Franz Kuhn atribuye a cierta enciclopedia china que se titula _Emporio celestial de conocimientos benevolos_. En sus remotas paginas esta escrito que los animales se dividen en
(a) pertenecientes al Emperador,
(b) embalsamados,
(c) amaestrados ,
(d) lechones,
(e) sirenas,
(f) fabulosos,
(g) perros sueltos,
(h) incluidos en esta clasificacion,
(i) que se agitan como locos,
(j) innumerables,
(k) dibujados con un pincel finisimo de pelo de camello,
(l) etcetera,
(m) que acaban de romper el jarron,
(n) que de lejos parecen moscas.

El Instituto Bibliografico de Bruselas tambien ejerce el caos: ha parcelado el universo en 1000 subdivisiones, de las cuales la 262 corresponde al Papa; la 282, a la Iglesia Catolica Romana; la 263, al Dia del Se~or; la 268, a las escuelas dominicales; la 298, al mormonismo, y la 294, al brahmanismo, budismo, shintoismo y taoismo. No rehusa las subdivisiones heterogeneas, verbigracia, la 179: "Crueldad con los animales. Proteccion de los animales. El duelo y el suicidio desde el punto de vista de la moral. Vicios y defectos varios. Virtudes y cualidades varias".

Jorge Luís Borges

3º encontro - Breve explicação de Karen

No terceiro encontro do módulo 'Escrevivendo Memórias Eróticas'(25/10), ministrado por Loreta e Mafuane, não resisti... e apareci. Alef, para matar um pouco da saudade que sinto dos escreviventes ( até a Sandra do Textando 2005 estava lá!); Beit, para ver como correriam as discussões sobre o filme O Livro de Cabeceira (1995- inspirado no diário de Sei Shonagon) , de Peter Greenway.
Durante os comentários, a outra Sandra, a Schamas, disse estar surpresa com o 'casamento' entre o filme escolhido para a discussão e o tema deste Escrevivendo: o erotismo. Então, acabei revelando que este último módulo de 2008 foi pensado a partir deste filme, dando continuidade aos módulos Memórias e Memórias de Amor.
Assim como foi para o escritor e poeta Haroldo de Campos (segundo Maria Esther Maciel), Greenway é também meu cineasta contemporâneo favorito.
Há poucos meses, Maciel ( professora de Teoria da Literatura da Faculdade de Letras da UFMG) esteve na Casa das Rosas e ministrou um curso sobre este diretor e suas obras. Ao rever parte do filme em questão, reencontrei belas reflexões que adoraria compartilhar em nossa oficina de leitura e escrita.
Como esta é uma breve explicação, vou parando por aqui, mas não sem antes deixar algumas indicações para leituras complementares:
1- A memória das coisas- ensaios de literatura, cinema e artes plásticas, de Maria Esther Maciel (v. bibliografia).
2- http://www.tulselupernetwork.com/basis.html( um trabalho multimídia interessantíssimo)
3- O idioma analítico de John Wilkins, de J.L. Borges
4- http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2499,1.shl(sobre outras 'listas literárias')
Sábado, 08/11, teremos um debate entre os poetas Glauco Mattoso e Donny Correa, além da participação do filósofo e especialista em filmes "B", Valter José, sobre erotismo & (ou versus) pornografia .
Até lá,
KK

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Quarto encontro (01-11-2008)

Amigos queridos,

Já chegamos à metade deste nosso módulo Escrevivendo Memórias Eróticas, que a cada dia fica mais interessante, pelo menos para nós, mediadoras. Esses dias, passando pelo blog da Sandra Schamas, reli o texto "Orgia literária ou prazeres do texto grupal" e me emocionei novamente. Trata-se de texto de transição entre o módulo anterior - Escrevivendo Memórias de Amor - e este. Acessem: http://sschamas.blogspot.com/ e deleitem-se.

Hoje foi dia de leitura das últimas produções, de compartilhar textos dos escreviventes. Adoramos esse momento, pelo qual esperamos ansiosamente, roendo as unhas, ainda mais para saber o que vai sair da proposta feita. Alguns textos pudemos conhecer durante a semana, uma vez que muitos escreviventes conseguiram fazer sua primeira versão e nos mandar por e-mail. Ainda assim, aguardávamos a leitura deles em grupo e as reações de sua primeira recepção. Tal momento é impactante e único.

Antes das leituras, porém, nossas preliminares ficaram a cargo do Decamerão (1), de Boccaccio. Durante a semana, os escreviventes puderam ler a novela que selecionamos (Primeira novela, terceira jornada, Neífile), prestando atenção não somente ao conteúdo dela, mas a sua linguagem, à forma como foi escrita. O que fizemos hoje com o texto foi, de forma rápida (uma rapidinha, como sempre...), ler alguns trechos mais calientes, satíricos, e discutir a linguagem velada do texto, escrito entre 1348 e 1353. Em geral, ouvimos dos participantes que se tratava de texto bastante erótico, mas que dizia tudo sem dizer nada. Sua opinião foi de que pornográfica mesmo só havia uma passagem:

(...) pois, antes de se afastarem dali, mais de uma vez elas quiseram constatar como o mudo sabia cavalgar. (p. 121)

Um dos escreviventes, a Bruna, nos chama a atenção para o fato de, nesse trecho, o mudo satisfazer as duas freiras ao mesmo tempo:

"As duas jovens investigaram bem, por todos os lados; comprovaram que de nenhuma parte podiam ser vistas; a mais audaciosa, que iniciara a conversa a respeito de Masetto, despertou-o; e ele logo se pôs de pé; a freira segurou uma de suas mãos; fez-lhe algum carinho; e ele rindo, de tempos a tempos, como se fora um perfeito idiota, deixou-se conduzir ao caramanchão, onde, sem ser muito empenhado, fez o que ela queria que ele fizesse. A jovem, como companheira leal, assim que recebeu o que queria receber, cedeu seu posta à outra; e Masetto, mesmo continuando a parecer simplório, fez a vontade das duas; pois, antes de se afastarem dali, mais de uma vez elas quiseram constatar como o mudo sabia cavalgar. Em seguida, ambas, conversando a esse respeito, reconheceram que aquilo de fato era coisa deliciosa - e muito mais deliciosa do que tinham ouvido afirmar." (p. 121)

Entretanto, nossos participantes não chegaram a apontar elementos do texto que ilustrassem aquele dizer velado, o que, após provocá-los e deixá-los com a pulga atrás da orelha, revelamos. Trata-se de algumas passagens simples, como:

1. "(...) a freira segurou uma de suas mãos; fez-lhe algum carinho; e ele rindo, de tempos a tempos, como se fora um perfeito idiota, deixou-se conduzir ao caramanchão, onde, sem ser muito empenhado, fez 0 que ela queria que ele fizesse. A jovem, como companheira leal, assim que recebeu 0 que queria receber, cedeu seu posta à outra; e Masetto, mesmo continuando a parecer simplório, fez a vontade das duas; pois, antes de se afastarem dali, mais de urna vez elas quiseram constatar como o mudo sabia cavalgar. Em seguida, ambas, conversando a esse respeito, reconheceram que aquilo de fato era coisa deliciosa - e muito mais deliciosa do que tinham ouvido afirmar. Dali por diante, pois, sempre aguardando 0 momento azado, passaram a divertir-se com o mudo." (p. 121)

2. "(...) concordaram em que seria melhor elas partilharem do generoso poder de Masetto. (p. 122)."

3. "Então, com unânime consentimento, pondo-se às claras aos olhos de todas o que por todas fora praticado as escondidas (...)". (p. 122)

Concluímos essa discussão conversando sobre as potencialidades do leitor, que é capaz de captar muito mais do que está escrito no texto, dependendo, em grande parte, de suas experiências e de seu repertório. Dessa forma, na linguagem deve estar a consideração do autor pelo seu leitor, o qual não deve nunca ser menosprezado.

Voltando às leituras das produções dos escreviventes, estas se estenderam até o fim do encontro, entremeadas de muita polêmica. O primeiro texto lido, o do Paulo, gerou muitos comentários acerca da linguagem erótica ou pornográfica. Houve muitas críticas, mas os escreviventes se lembraram de que 1. o Escrevivendo é um espaço para se discutir a linguagem escrita e 2. a recepção dos leitores é muito individual. "Quem dá a medida do erótico ou do pornográfico somos nós mesmos, de acordo com nossos valores, nossas experiências", disse a Mafuane; assim, a linguagem obscena pode agradar a leitores que não se contentam com a sutileza de Tolstói, por exemplo, em Anna Kariênina. Após a reescrita, cremos que o Paulo autorizará a publicação de seu texto aqui no blog.

Quanto à proposta (v. "Segundo encontro", nesta seção), parece que, no geral, conseguimos nos fazer entender. Temos de levar em consideração que muitos de nossos escreviventes assumem-se "rebeldes", recusando-se a qualquer tipo de engessamento, mesmo que seja somente uma sugestão. Se não houvesse proposta nenhuma, apostamos, seríamos questionados sobre ela. Ai, esses autores...

Comentários dos escreviventes sobre os quais vale a pena se pensar:

"O pornográfico fere".

"Os poetas são mais eróticos".

Anotamos muitos dos comentários aos textos, mas pensamos ser melhor postá-los à medida que os textos forem publicados aqui, uma vez que vocês que estão lendo este texto não teriam os textos citados em mãos - ou em tela...

No próximo encontro, receberemos os valiosos Glauco Mattoso, Donny (poetas) e Walter José (filósofo e cineasta) para um debate sobre erotismo e pornografia. Será permitido levar convidados. Durante a semana, os escreviventes terão contato com a obra desses importantes artistas e já formularão questões para as provocações. Nós, mediadoras, estamos ansiosas e vamos tietar!!!!

Abraço a todos,

Loreta

1. BOCCACCIO, Giovanni. Decamerão. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Nova Cultural, 2003. p.119-123.